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domingo, 22 de dezembro de 2019

O Dilema das "Saídas Temporárias" e o Sistema Carcerário



*Por Euro Bento Maciel Filho


Entra ano, sai ano, e, depois de cada feriado festivo nacional, Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças, Páscoa, Carnaval, entre outros, sempre se tem notícia de que um determinado percentual do total de presos que obteve o direito da chamada “saída temporária” não retornou às celas. Nesses momentos, invariavelmente, paladinos da Justiça levantam suas vozes – e microfones – não só para criticar a ação dos juízes e achincalhar a nossa Lei de Execução Penal (LEP), como também para propor o imediato “fim” daquele benefício.

Mas afinal, o que é a chamada “saída temporária”?

Inicialmente, é importante mencionar que, de acordo com a nossa LEP, duas são as formas pelas quais, no curso do cumprimento da pena privativa de liberdade, um determinado detento pode sair, momentaneamente, do estabelecimento carcerário: a-) permissão de saída; e b-) saída temporária.

A primeira, prevista no artigo 120 da LEP, é aplicada aos detentos que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto (e também aos chamados presos “provisórios”) e depende, apenas, de autorização do diretor do estabelecimento prisional onde se encontra o preso. A concessão da “permissão de saída” é facultativa e só se justifica quando ocorrer ou o “falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão” ou, então, a “necessidade de tratamento médico”.

Em qualquer das hipóteses, o preso sai do estabelecimento carcerário mediante o acompanhamento de escolta policial e o prazo de sua duração está ligado ao tempo necessário ao preenchimento da finalidade da saída.

Já a “saída temporária”, prevista no artigo 122 da LEP, é compreendida como um verdadeiro direito público subjetivo do condenado, sendo certo que a medida é concedida apenas pelo Juiz de Direito (após prévias manifestações tanto do Ministério Público quanto da Administração Penitenciária), aos presos que estejam cumprindo pena em regime semiaberto e desde que sejam cumpridas certas e determinadas condições, tais como manter “comportamento adequado”, “cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se reincidente” e, por fim, “compatibilidade do benefício com os objetivos da pena”.

Com relação ao tempo de duração da “saída temporária”, o artigo 124, da LEP é bem claro ao prever que a “autorização será concedida por prazo não superior a sete dias, podendo ser renovada por mais quatro vezes durante o ano”. Ou seja, todo e qualquer condenado que esteja cumprindo pena em regime semiaberto, desde que preenchidas as condições legais, pode sair até quatro vezes da unidade carcerária ao longo de um ano, sendo certo que cada “saída” terá duração máxima de sete dias. Diferentemente da “permissão de saída”, na “saída temporária” o preso sai do sistema carcerário sem nenhum acompanhamento ou escolta policial, sendo certo que o seu retorno dependerá do senso de responsabilidade de cada um.

Contudo, é preciso entender que tal benefício não é concedido apenas como um “prêmio” pelo seu bom comportamento, mas faz parte, sem dúvida, de algo muito maior e mais importante, que é, justamente, a ideia de que a pena deve servir à ressocialização do criminoso.

O condenado voltará ao convívio social, seja após o cumprimento integral da pena ou mediante a concessão de livramento condicional. Nesse sentido, as “saídas temporárias” servem como instrumento importante para se aferir a efetiva recuperação do condenado, ainda durante o cumprimento da pena. Sem dúvida, trata-se de relevante ferramenta para estimular o preso a desenvolver boa conduta e assim prepará-lo, de forma adequada, para que ele retorne, gradativamente, ao saudável convívio social.

Assim, longe de fomentar a criminalidade ou de sugerir impunidade, o instituto da “saída temporária” deve ser visto e compreendido como algo benéfico à própria sociedade, na exata medida em que contribui, e muito, para a ressocialização do criminoso.

Para o leigo, seria até possível afirmar que o Estado, ao colocar nas ruas um grande número de condenados, estaria, em realidade, facilitando a “fuga em massa” de detentos e assim contribuindo para um possível aumento da violência. Ledo engano, porém!

Se tomarmos por base o fato de que, em geral, o percentual de presos que não retornam às unidades carcerárias depois de cada “saída temporária” não ultrapassa, em média, a casa dos 8%, ficará fácil notar que o instituto, de fato, vem alcançando seus objetivos. Positivamente, seria mesmo uma verdadeira utopia imaginar que, após a concessão do benefício, 100% dos presos retornassem às suas unidades carcerárias. Nesse sentido, se é certo que apenas oito de cada cem acabam frustrando a benesse, então, por óbvio, é preciso reconhecer que a medida é, de fato, eficiente.

Quanto aos tais “oito de cada cem” que frustram a iniciativa, é preciso dizer que isso representa muito pouco para a sociedade. Não se pode admitir que um instrumento tão importante para o condenado, e também para o corpo social, seja tão duramente criticado por conta de um percentual quase irrelevante.

Os críticos da “saída temporária” devem ter em mente que, entre perdas e ganhos, é preferível salvar 92% dos presos que cumprem a medida do que, simplesmente, colocar um fim na benesse por conta daqueles 8% que frustram a finalidade da pena.

É bom dizer que o risco inerente à medida, à evidência, faz parte do chamado “pacto social” e deve ser entendido como uma contribuição do corpo social (que é a “maioria”) para a efetiva recuperação de uma minoria (os presos).

É evidente que o Poder Legislativo pode, e até deve, propor mudanças na LEP para tentar aprimorar o benefício da “saída temporária”, o que poderia ser feito com a inclusão de novos requisitos como, por exemplo, a exigência de comportamento exemplar, o uso obrigatório de tornozeleiras eletrônicas, o cumprimento de ao menos metade do total da pena para condenados por crimes hediondos etc. Contudo, o que não pode ser feito, em nenhuma hipótese, é simplesmente extingui-lo, assim atendendo à pregação inconsequente de alguns grupos mais radicais, já que tal medida representaria, no longo prazo, verdadeiro “tiro no pé”.

*Euro Bento Maciel Filho é mestre em Direito Penal pela PUC/SP. Também é professor universitário, de Direito Penal e Prática Penal, advogado criminalista e sócio do escritório Euro Maciel Filho e Tyles – Sociedade de Advogados. 

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