A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por meio da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE), inicia sua primeira visita oficial ao Brasil entre os dias 9 e 14 de fevereiro. O objetivo é analisar a situação da liberdade de expressão no país, um tema que nunca esteve tão em evidência. A visita, que percorrerá Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, busca reunir depoimentos de autoridades dos três poderes, do Ministério Público, jornalistas, acadêmicos, organizações de direitos humanos e representantes de plataformas digitais.
Embora a RELE já tenha participado de visitas in loco ao Brasil, esta será a primeira missão liderada pela própria Relatoria, conforme a Diretiva 1/19 da CIDH. O convite para a visita foi feito pelo governo de direita brasileiro, em outubro de 2024, e a expectativa é que o relatório final traga um panorama detalhado da realidade enfrentada por profissionais da imprensa e comunicadores independentes.
Não deixa de ser curioso – para dizer o mínimo – que, às vésperas da chegada da CIDH, algumas redes sociais de jornalistas e influenciadores que haviam sido censuradas por determinação do ministro Alexandre de Moraes foram convenientemente restabelecidas. Coincidência? Um gesto de boa-fé? Ou apenas uma tentativa de mascarar a realidade antes que os olhos atentos da comissão pudessem testemunhar os efeitos das decisões monocráticas do magistrado?
Vale lembrar que, nos últimos meses, inúmeras contas foram suspensas sem critérios claros, em um verdadeiro apagão digital imposto pelo Supremo Tribunal Federal. A justificativa? Supostos riscos à democracia – um argumento vago o suficiente para justificar a exclusão de qualquer voz incômoda ao establishment. Agora, em um passe de mágica, perfis são restituídos pouco antes da visita da CIDH. O objetivo parece óbvio: evitar questionamentos constrangedores e maquiar uma realidade de censura seletiva.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem sido protagonista em diversas ações que resultaram na censura de redes sociais e na perseguição de jornalistas e manifestantes. Entre os casos mais notórios estão:
Suspensão de contas em redes sociais
Em julho de 2020, Moraes determinou a suspensão de perfis de 16 aliados e apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro no Twitter e no Facebook. A medida fez parte do inquérito das fake news, que investiga ataques a ministros do STF e a disseminação de informações falsas.
Bloqueio de perfis de jornalistas
Em janeiro de 2023, o ministro ordenou a suspensão das redes sociais dos jornalistas Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo Filho, sob a acusação de divulgação de discursos antidemocráticos e de ódio. A investigação também buscava identificar possíveis financiadores dessas atividades.
Jornalistas exilados
As ações de Moraes levaram alguns jornalistas a buscar exílio no exterior:
Rodrigo Constantino: Colunista da Gazeta do Povo, teve seu passaporte brasileiro cancelado, contas bancárias bloqueadas e canais nas redes sociais banidos por determinação de Moraes. Atualmente, reside nos Estados Unidos.
Paulo Figueiredo Filho: Também com passaporte cancelado e contas bloqueadas, o jornalista está exilado nos EUA após as medidas impostas pelo ministro.
- Allan dos Santos: Jornalista, teve prisão decretada por Moraes, mas permanece nos Estados Unidos, onde solicitou asilo político.
- Oswaldo Eustáquio: Jornalista que, após medidas restritivas, deixou o Brasil e buscou refúgio no Paraguai, onde solicitou asilo político.
PROIBIÇÃO NAS REDES SOCIAIS:
O ministro Alexandre de Moraes, tem adotado diversas medidas que impactam diretamente plataformas de redes sociais como X (anteriormente Twitter), Facebook e Rumble. Essas ações incluem bloqueios de contas, remoção de conteúdos e imposição de multas às plataformas.
Suspensão de contas no X (Twitter)
Em agosto de 2024, Moraes determinou a suspensão da plataforma X no Brasil após a empresa não nomear um representante legal no país. A decisão incluía uma multa diária de R$ 50 mil para qualquer pessoa que acessasse a rede por meio de VPNs. Posteriormente, o ministro revogou a proibição de VPNs, mas manteve as demais sanções.
Bloqueio de perfis de influenciadores
Em setembro de 2024, a 1ª Turma do STF, seguindo o voto de Moraes, rejeitou 39 recursos de redes sociais contra bloqueios de conteúdos e contas de usuários investigados por disseminação de desinformação e discursos de ódio. As plataformas argumentaram contra as suspensões, mas o STF manteve as decisões.
Imposições à Rumble
A rede social Rumble, conhecida por atrair produtores de conteúdo com perfis suspensos em outras plataformas, também foi alvo de medidas judiciais. Uma comissão dos Estados Unidos solicitou que a Rumble entregasse decisões do STF relacionadas a bloqueios de contas e conteúdos, destacando a influência das decisões de Moraes além das fronteiras brasileiras.
CENSURA À PARLAMENTARES (DEPUTADOS E SENADORES):
O ministro Alexandre de Moraes, tem sido alvo de críticas por supostas ações de censura que afetam parlamentares brasileiros.
Em abril de 2024, uma polêmica envolvendo o empresário Elon Musk e Alexandre de Moraes repercutiu nos discursos de diversos deputados. Parlamentares da oposição defenderam as declarações de Musk, alegando que o ministro estaria promovendo censura ao determinar o bloqueio de perfis na rede social X (antigo Twitter). Por outro lado, deputados da base governista argumentaram que as ações de Moraes visavam combater a desinformação e proteger a democracia, defendendo a regulamentação das plataformas digitais.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) tem sido um crítico contundente das ações de Moraes. Em agosto de 2024, Girão afirmou que o Brasil vive uma situação de censura devido às atitudes do ministro e defendeu seu impeachment. Ele destacou que uma das principais estratégias de Moraes seria a prática constante de censura.
Além disso, em setembro de 2024, a oposição no Senado, liderada por Rogério Marinho (PL-RN), anunciou a intenção de obstruir votações como forma de protesto contra as ações de Moraes. Marinho convidou os cidadãos a assinarem um documento pedindo o impeachment do ministro, ressaltando a importância de investigar suas condutas.
Esses episódios evidenciam o clima de tensão entre o Judiciário e o Legislativo, com parlamentares expressando preocupações sobre possíveis excessos e arbitrariedades nas decisões de Alexandre de Moraes.
Em fevereiro de 2023, Moraes determinou a abertura de uma investigação para apurar declarações de do Val sobre uma suposta proposta que teria recebido para participar de um plano visando a ruptura do Estado Democrático de Direito. O objetivo era esclarecer as diferentes versões apresentadas pelo senador sobre o caso.
Em junho de 2023, a Polícia Federal, sob autorização de Moraes, realizou buscas em endereços ligados a do Val, incluindo seu gabinete no Senado. O senador estava sendo investigado por possível obstrução das investigações relacionadas aos atos de 8 de janeiro de 2023, que culminaram em ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília. Durante essa operação, sua conta no Twitter foi bloqueada por ordem de Moraes.
Em agosto de 2024, Moraes ordenou o bloqueio de até R$ 50 milhões das contas bancárias do Senador Marcos do Val e a suspensão de seu perfil no Instagram. A decisão foi motivada por supostos ataques do senador ao Judiciário e ao próprio ministro, além de alegações de descumprimento de medidas cautelares impostas anteriormente.
Marcos do Val tem criticado publicamente essas ações, alegando que o STF, especialmente através das decisões de Moraes, tem cometido violações à Constituição. Ele destaca que o Inquérito das Fake News foi instaurado sem a provocação do Ministério Público, o que, segundo ele, extrapola as competências constitucionais da Corte.
Em agosto de 2024, Van Hattem criticou publicamente o delegado da Polícia Federal Fábio Alvarez Schor, chamando-o de "bandido" durante discurso no plenário da Câmara dos Deputados. Schor é conhecido por conduzir investigações sob a supervisão de Moraes. Posteriormente, o deputado foi intimado pela Polícia Federal e tornou-se alvo de investigação no STF por suposto crime contra a honra. Van Hattem argumenta que sua imunidade parlamentar lhe confere o direito de expressar opiniões no exercício de seu mandato sem sofrer retaliações judiciais.
Em resposta a essas ações, Van Hattem protocolou, em agosto de 2024, uma notícia-crime junto à Procuradoria-Geral da República contra o ministro Alexandre de Moraes, acusando-o de abuso de autoridade. A ação destaca decisões de Moraes relacionadas à suspensão das atividades da plataforma Twitter/X no Brasil, consideradas pelo deputado como excessivas e prejudiciais à liberdade de expressão.
Além disso, Van Hattem tem se posicionado contra decisões monocráticas do STF. Como relator da PEC 8/2021, ele apresentou parecer favorável à limitação dessas decisões, argumentando que representam uma ameaça à democracia e contribuem para a insegurança jurídica no país.
Para uma compreensão mais aprofundada das críticas de Van Hattem às ações do ministro Alexandre de Moraes, assista ao seguinte vídeo:
Nos últimos anos, diversas plataformas digitais adotaram medidas de desmonetização contra canais e perfis associados a conteúdos de direita no Brasil, especialmente aqueles acusados de disseminar desinformação ou violar políticas internas. Abaixo, alguns casos notáveis:
1. Decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE):
Agosto de 2021: O corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, determinou que plataformas digitais interrompessem a remuneração de canais e perfis que, segundo a decisão, disseminavam informações falsas sobre as eleições no Brasil. Entre os alvos estavam canais apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro.
Outubro de 2022: O TSE suspendeu a monetização dos canais "Brasil Paralelo", "Foco do Brasil", "Folha Política" e "Dr. News" no YouTube até o final do segundo turno das eleições. A decisão foi baseada na alegação de que esses canais, mantidos por pessoas jurídicas, estariam impulsionando conteúdos político-eleitorais, o que é proibido pela legislação eleitoral.
2. Ações de Plataformas Digitais:
Terça Livre: Em fevereiro de 2021, o YouTube encerrou o canal "Terça Livre", alegando violação dos termos de uso da plataforma. Posteriormente, uma liminar judicial determinou a reativação do canal, que voltou ao ar em março de 2021. Em outubro do mesmo ano, após a emissão de um mandado de prisão contra o fundador Allan dos Santos, o site anunciou o encerramento de suas atividades, citando censura e falta de apoio financeiro.
Shadow ban e a repressão disfarçada
Além da censura direta, outro mecanismo amplamente utilizado contra aqueles que ousam questionar governos de esquerda ou decisões do Supremo Tribunal Federal é o chamado shadow ban. Perfis que transmitem manifestações populares em tempo real, expondo a insatisfação do povo diante de medidas arbitrárias, veem seu alcance ser drasticamente reduzido sem qualquer justificativa clara.
O mais contraditório é que, enquanto essas transmissões de fatos reais são classificadas como "desinformação", conteúdos abertamente promíscuos, imorais e até mesmo degradantes são amplamente promovidos nas redes sociais e em canais de televisão aberta, sem qualquer restrição. O critério utilizado para definir o que pode ou não ser divulgado parece ter pouco a ver com a verdade e muito mais com interesses políticos.
Diante desse cenário, a chegada da CIDH renova a esperança de milhões de brasileiros que acreditam no direito fundamental à liberdade de expressão. A expectativa é que a comissão possa, de fato, enxergar além da encenação de última hora e registrar em seu relatório a realidade enfrentada por jornalistas e comunicadores no país.
A RELE convida organizações da sociedade civil e demais interessados a enviar informações relevantes sobre violações à liberdade de imprensa. As contribuições podem ser enviadas até 21 de fevereiro para cidhexpresion@oas.org, com o assunto “Visita ao Brasil 2025”.
Resta agora aguardar se a visita da CIDH será suficiente para expor as arbitrariedades recentes ou se a maquiagem institucional será eficiente o bastante para ludibriar até os observadores internacionais. O Brasil segue atento.