Lula, Irã, Israel e política externa brasileira voltaram a ganhar protagonismo no debate público a partir da escalada de tensão no Oriente Médio. O atual governo Lula tem sido alvo de críticas por sua postura considerada alinhada ao Irã, regime acusado de violações sistemáticas de direitos civis e humanos, enquanto adota tom severo quando o alvo é Israel. Essa dicotomia reacende o debate sobre neutralidade, geopolítica e coerência na diplomacia brasileira.
Desde o início de seu terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem mantido uma postura crítica a ações militares de Israel na Faixa de Gaza, chegando a qualificar ofensivas israelenses como "genocídio" e compará-las ao Holocausto. Em contraste, a menção a violações de direitos civis no Irã — autocontido na repressão a protestos, execução de dissidentes e restrições severas à liberdade de expressão — tem sido, no máximo, pontual ou ausente em notas oficiais. Essa discrepância, alimentada por alianças ideológicas históricas, tem gerado críticas de analistas, partidos da base de sustentação e opositores de direita, que acusam o governo de parcialidade prejudicial aos interesses nacionais.
O histórico de relações diplomáticas entre Brasil e Irã data de mais de um século, mas ganhou novo impulso no governo Lula de 2003 a 2010, sob chanceler Celso Amorim. Em 2010, Brasil e Turquia mediaram acordo nuclear que previa o envio de urânio enriquecido pelo Irã para processamento pela Turquia, em tentativa de dissipar suspeitas sobre ambições bélicas. Apesar do protagonismo diplomático brasileiro, o entendimento foi rejeitado pelas potências ocidentais e posteriormente descartado. Ainda assim, esse episódio consolidou o alinhamento de Lula ao regime iraniano, que sobreviveu a sucessivas denúncias de violação de normas internacionais.
A crítica ao Irã por parte do governo brasileiro se limita a posicionamentos vagos, geralmente em resposta a pressões internacionais — por exemplo, para se manifestar sobre execuções em massa ou repressão de protestos "Mulher, Vida, Liberdade" iniciados em 2022. Enquanto isso, o Brasil tem condenado de forma contundente ações de Israel, repetindo o discurso de que as hostilidades violam a soberania de Estado e o direito internacional. Essa ênfase desproporcional, segundo analistas de política externa, compromete a reputação do país como ator neutro e pragmático, abrindo espaço para retaliações comerciais e diplomáticas que penalizam exportadores brasileiros.
Especialistas em relações internacionais apontam que a política externa brasileira sempre se baseou em pragmatismo e diversificação de parcerias, sem alinhamentos automáticos. A neutralidade permitiu ao Brasil atuar como mediador em conflitos e atrair investimentos de diferentes blocos econômicos. Contudo, a atual narrativa do Itamaraty, influenciada por alinhamentos ideológicos de esquerda, tem sido classificada como incoerente: defende valores como direitos humanos e liberdade de expressão ao criticar Israel, mas direciona silêncio ou eufemismos ao se referir ao regime iraniano, responsável por prisões arbitrárias, tortura e execução de dissidentes e minorias.
Na visão de parlamentares da base governista, essa seletividade responde a fatores políticos internos: manter apoio da ala mais radical da esquerda e de regimes aliados no chamado "Sul Global". Já deputados de oposição, especialmente de direita, acusam o governo Lula de colocar a ideologia acima dos interesses nacionais. Para eles, a coerência na defesa de direitos civis e humanos demandaria posicionamentos simétricos, condenando tanto Israel quanto Irã com igual veemência. Essa divergência tem se refletido em debates no Congresso e em setores da opinião pública que defendem uma política externa mais alinhada aos parceiros ocidentais tradicionais.
O cenário geopolítico no Oriente Médio está em rápida transformação: após ataques israelenses a instalações nucleares iranianas e retaliações de Teerã, o Brasil foi pressionado a escolher um lado. O Itamaraty divulgou nota que condenou violações da soberania do Irã, mas também criticou danos a civis em Israel e instou à contenção de todos os envolvidos. Ainda assim, a linguagem diplomática reforça a percepção de que o Brasil está mais sensível às queixas iranianas, enquanto enfatiza as condenações a Israel.
A controvérsia ganhou novas cores com o recente pedido da ONU para que o Irã suspenda a pena de morte após registrar 975 execuções em 2024, incluindo 31 mulheres, uma criança e centenas de presos por causas políticas e religiosas. A maioria das pendências diplomáticas, no entanto, não foi mencionada oficialmente pelo governo brasileiro. Paralelamente, a sociedade civil brasileira cobra posicionamento enérgico sobre a repressão a movimentos de mulheres e minorias no Irã, defendendo coerência com as bandeiras públicas do Planalto.
Sob a perspectiva econômica, o alinhamento de Lula ao Irã não é apenas simbólico. Em 2024, o comércio bilateral entre Brasil e Irã atingiu US$ 3 bilhões, com superávit de US$ 2,994 bilhões a favor do Brasil. Milho, soja e farelo de soja respondem por quase 90% das exportações brasileiras ao país persa. Já o Irã fornece frutas, vidraria e produtos farmacêuticos em volumes menor, mas crescente. Esse pragmatismo comercial contrasta com a retórica diplomática que privilegia alinhamentos ideológicos.
Em Brasília, a discussão sobre coerência na política externa brasileira ganha eco em setores que associam direitos civis a valores universais. A defesa de liberdades individuais, igualdade de gênero e tolerância religiosa — pilares do discurso progressista do governo — entra em choque com a omissão frente a sistemas autoritários que violam esses mesmos princípios. Essa contradição tem inspirado questionamentos: como reconciliar a retórica de promoção de direitos humanos com alianças práticas a regimes que os suprimem?
Analistas lembram ainda que países do BRICS, bloco ao qual o Irã foi recentemente incorporado, mantêm alinhamentos diversos. Nem Rússia nem China, parceiros mais próximos de Teerã, adotaram retóricas tão radicais em defesa do Irã quanto a postura brasileira atual. Isso sugere que o governo Lula vai além de uma pragmática busca por diversificação de mercados e dialoga com um viés ideológico que mobiliza sua base interna.
No plano diplomático, a reputação brasileira sofre desgaste. Em organismos multilaterais, a credibilidade de Brasília como mediador neutro em crises pode ser prejudicada pela percepção de parcialidade. Países em conflito podem reagir a notas retóricas brasileiras com ceticismo, questionando o real interesse do Brasil na busca de soluções pacíficas.
Para a próxima rodada do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil deve ser chamado a se pronunciar sobre execuções no Irã, restrições a liberdades e tortura de manifestantes. A comunidade internacional observará se o país manterá o padrão de críticas seletivas ou adotará discurso mais equilibrado. A coerência entre discurso e prática diplomática será determinante para restabelecer o conceito de neutralidade pragmática que historicamente norteou a política externa brasileira.
Em suma, a relação entre Lula, Irã e direitos humanos atravessa controvérsias profundas: ao mesmo tempo em que o governo condena Israel com vigor, falha em garantir que seus compromissos retóricos sobre liberdade e dignidade humana sejam estendidos a todos os regimes aliados. Essa dualidade ideológica e pragmática acende debates sobre identidade, interesses nacionais e papel do Brasil no cenário internacional, questionando se a diplomacia brasileira conseguirá recuperar seu prestígio como construtora de pontes, independente de pressões ideológicas.
A política externa brasileira, em especial o alinhamento percebido de Lula com o Irã, desafia o equilíbrio entre pragmatismo e coerência moral. Enquanto a defesa de direitos civis é afirmada em críticas a Israel, permanece ausente em relação a violações frequentes no regime iraniano. Para muitos, essa postura seletiva mina a credibilidade do Brasil como interlocutor neutro e pragmático, essencial para fortalecer relações internacionais, proteger interesses comerciais e contribuir para a paz global. A hora é de reflexão: será possível articular valores universais de direitos humanos com alianças diplomáticas que, historicamente, privilegiam conveniências ideológicas?
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