A decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes — que restringe a legitimidade para apresentação de pedidos de impeachment de ministros do STF — provocou uma das reações mais duras do Senado nos últimos anos. E não poderia ser diferente. A medida, tomada de forma solitária, sem debate no plenário da Corte e sem consulta institucional ao Parlamento, representa um dos episódios mais graves de interferência do Judiciário sobre o Poder Legislativo desde a redemocratização.
Um ato que extrapola a jurisdição
Ao determinar que somente a Procuradoria-Geral da República pode apresentar denúncia para início de processo de impeachment de ministros do Supremo, Gilmar Mendes alterou, na prática, o funcionamento de um instrumento previsto em lei, interferindo diretamente na esfera de atuação do Senado — casa que, segundo a Constituição, detém competência exclusiva para julgar esses processos.
Não se trata apenas de uma interpretação controversa. Trata-se de uma usurpação funcional, porque redefine a forma como um poder fiscaliza o outro. É uma intervenção direta na engrenagem institucional que garante o equilíbrio entre os Três Poderes.
O Senado reagiu — e teve motivos de sobra
A coletiva de imprensa realizada pelos senadores confirmou o que muitos juristas já apontavam: a decisão monocrática atravessou o limite da razoabilidade e tocou o cerne da autonomia legislativa.
Ao exigir que o Senado dependa exclusivamente da PGR para iniciar um procedimento constitucional, Gilmar Mendes impôs ao Legislativo um “cadeado institucional” que não existe na Constituição. Transformou uma prerrogativa do Parlamento em algo condicionado à vontade de outro órgão — um movimento sem respaldo claro no texto constitucional.
Os senadores foram explícitos: a decisão representa uma invasão do Supremo sobre o Senado. Mais ainda, representa um perigoso precedente de concentração de poder no Judiciário, já criticado anteriormente em decisões que ampliaram as competências das cortes sem aprovação legislativa.
A monocracia como método
O uso recorrente de decisões monocráticas para alterar o curso de temas estruturais tornou-se marca de um desequilíbrio institucional no Brasil. O Supremo, por meio de seus ministros individualmente, passou a assumir protagonismo excessivo em matérias que exigem deliberação colegiada ou, mais importante, debate democrático no Parlamento.
Quando uma decisão individual reinterpreta competências do Senado, o problema deixa de ser jurídico e passa a ser institucional. Nenhum ministro — por mais experiente que seja — pode se sobrepor ao próprio processo democrático.
O risco para a separação dos poderes
O conflito não está no mérito do debate sobre eventual abuso em pedidos de impeachment. O ponto central é outro: a competência para decidir isso é do Legislativo, não do Supremo. Quando um ministro redefine esse espaço por ato individual, abre-se margem para que outros limites constitucionais sejam alterados da mesma forma.
Se um ato monocrático pode restringir a atuação do Senado hoje, amanhã poderá reinterpretar atribuições da Câmara, da Presidência da República ou até mesmo das assembleias estaduais. É uma distorção que compromete a essência da república.
O dever do Senado: reagir para proteger o pacto democrático
Ao anunciar medidas legislativas para restabelecer seu espaço constitucional — incluindo debates sobre PEC e novas normativas —, os senadores sinalizaram que não aceitarão a redução de suas prerrogativas.
A resposta firme do Legislativo não é apenas uma disputa política. É um ato de defesa institucional. O Senado reagiu porque, se não reagisse, deixaria de ser um Poder.
A crise desencadeada pela decisão de Gilmar Mendes não é trivial. Ela expõe um movimento crescente de hipertrofia do Judiciário e demonstra como decisões individuais podem gerar consequências que ultrapassam o campo jurídico.
O Senado, ao denunciar a invasão de suas competências, faz aquilo que a Constituição exige: defender o equilíbrio entre os poderes e impedir que qualquer autoridade — seja qual for — reescreva, sozinha, o funcionamento do Estado brasileiro.
