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quarta-feira, 26 de maio de 2010

A influência da publicidade no consumo de álcool entre os jovens

Seminário apresenta pesquisas que evidenciam a relação entre a propaganda e os altos índices de consumo de bebidas em parcela da população que, por lei, é proibida de compra-las e ser alvo de tais apelos

Jovens entre 14 e 17 anos consomem 6% de todo o consumo anual de álcool do país. Esse é um dos dados alarmantes de pesquisa recente que levantou o volume de álcool consumido por diferentes grupos populacionais, adotando critérios como sexo e faixa etária. O estudo será apresentado durante o seminário Álcool, Tabaco e a Publicidade, promovido pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), hoje, na Unifesp, em São Paulo.

Raul Caetano, psiquiatra brasileiro radicado nos Estados Unidos, onde é diretor regional e professor de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade do Texas, vem ao Brasil exclusivamente para o encontro, onde fará a análise dos dados e sua relação com a publicidade de bebidas alcoólicas.

Intitulado “Distribuição do consumo de álcool e problemas em subgrupos da população brasileira”, de autoria de Raul Caetano, Ronaldo Laranjeira, Ilana Pinsky e Marcos Zaleski, a pesquisa entrevistou cerca de 3 mil pessoas em todo o território nacional e apontou que 5% dos bebedores brasileiros bebem 27% de todo o álcool consumido anualmente no país. E do total de bebedores, 78% são homens.

Em relação à faixa etária, o levantamento apontou que o grupo de adolescentes entre 14 e 17 anos bebe 6% de todo o consumo anual de álcool. “O número é preocupante, já que a Lei proíbe o consumo de bebidas alcoólicas por menores de 18 anos”, comenta Raul Caetano.

Outro dado alarmante é o índice entre os jovens de 18 a 29 anos, que é responsável por 40% do consumo. “Segundo o IBGE, esse grupo representa 22% (1/5) da população brasileira. Se pensarmos que apenas pouco mais de 20% da população bebe 40% de todo o consumo anual de álcool e, mais ainda, que são jovens, fica evidente o risco que a publicidade, cada vez mais voltada a esse publico, representa”, explica o psiquiatra.

Ainda de acordo com o estudo, a população de 30 a 39 e 40 a 49 anos bebem cada uma 20% do total consumido no Brasil. “Em distribuições por sexo e faixa etária, o consumo de álcool dos grupos brasileiros são semelhantes aos padrões encontrados nos Estados Unidos e em alguns países da Europa”, afirma Raul.

Apesar das amostras, estudos ressaltam que essa concentração de volume de álcool em certos grupos populacionais não significa que um pequeno grupo de bebedores “pesados” – em geral aqueles que estão no topo (10%) – são responsáveis pelos problemas de álcool que existem no país. “Pelo contrário. Outras análises demonstraram que os chamados bebedores moderados são responsáveis por dois terços dos problemas sociais e de dependência ao álcool no Brasil”, diz o especialista.

Na realidade, é o grupo de consumo aparentemente moderado que mais preocupa. Como freqüentemente nesse grupo ocorre o consumo de 4 doses, no caso de mulheres, ou 5 doses, homens, por ocasião de beber – o “binge drinking” ou “beber pesado episódico” – também leva ao desenvolvimento de problemas com o álcool. “O grupo que possui esse padrão de consumo é responsável por 90% de todos os problemas de álcool que ocorrem no Brasil”, acrescenta.

Raul Caetano lembra ainda que esses resultados indicam que as políticas de prevenção de problemas com o álcool devem abranger toda a população e não somente pequenos grupos. E que essas ações envolvem, por exemplo, o controle da disponibilidade do álcool na comunidade através do controle de preço, horas e locais de venda, a identificação precoce de bebedores em risco, as intervenções breves e tratamento.

“O controle da publicidade de álcool é, também, extremamente central, já que é especialmente dirigida aos homens e aos jovens, justamente os grupos que mais bebem. Além disso, o principal controle em vigor no Brasil, que é a autorregulamentação, não funciona”, conclui Raul Caetano.

No Brasil, observa-se uma grande diversidade de estratégias de publicidade de bebidas alcoólicas, principalmente de cerveja, em todos os períodos da programação de TV. “Ignora-se que, entre o público-alvo, estão grupos com idade abaixo da permitida por lei (menores de 18 anos)”, destaca a psicóloga Ilana Pisnky, idealizadora do Seminário Álcool, Tabaco e a Publicidade e que apresenta três pesquisas que correlacionam o consumo com a publicidade no evento.

Em uma análise de 420 horas de programação, foram encontradas 7.359 peças publicitárias. Dessas, 438, ou 7,6%, eram de bebidas alcoólicas, ficando com o sexto lugar de produto mais anunciado.

Outro levantamento conduzido por Ilana Pinsky avaliou os anúncios de quatro canais da TV aberta durante duas semanas e durante três períodos de elevada audiência: Carnaval e Copa do Mundo, eventos que atraem a atenção à TV, e a Páscoa, período de descanso em que a televisão também é fonte de lazer e diversão.

“Os resultados mostraram que existe uma relação direta na transmissão da propaganda de bebidas em todos os períodos do dia, com destaque para a transmissão relacionada a esportes. Não houve nenhum programa esportivo que não tivesse bebidas alcoólicas entre os anúncios”, relata Ilana Pinsky.

Outra pesquisa inédita sugere que a propaganda de bebidas alcoólicas pode ter um efeito grave sobre os adolescentes e adultos jovens, devido à vulnerabilidade deste grupo ao conteúdo da mensagem publicitária.

A partir da análise de cinco anúncios que foram publicados durante o verão de 2005-2006 e a Copa de 2006, percebidos como altamente atraentes para os adolescentes, foram identificados diversos pontos que violam a regulamentação nacional, em especial a diretriz que visa proteger crianças e adolescentes e a orientação que proíbe conteúdo incentivando o consumo excessivo de bebidas alcoólicas de forma irresponsável.

Esse é um problema grave que deve servir de alerta para alterações nas políticas públicas, em que se incluem a redução da disponibilidade do álcool, punições a quem dirige alcoolizado, intervenções breves e a restrição à publicidade, entre outras.

“Essas evidências do consumo de álcool entre jovens são ainda mais preocupantes por sabermos que, neles, os efeitos podem ser ainda mais devastadores. Além de estar atrelado à maior parcela de acidentes de carro e agressões entre os jovens, o consumo de bebidas alcoólicas entre os adolescentes pode provocar sérias alterações comportamentais, sendo ainda a principal porta de entrada para o consumo de outras drogas. Isso apenas para resumir os estragos provocados pela bebida”, afirma Ilana Pinsky.

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